Duas horas depois o show ainda não havia começado. De tanto esperar, acabei me cansando e arrumando um lugar pra sentar (uma caixa de som, não havia cadeiras no frontstage) e enquanto isso, as filas dos banheiros começaram a ficar cada vez mais longas, e as reclamações começaram a aparecer.
Em vários momentos pareceu que o show iria começar, apagavam as luzes, e abaixavam a música, alguns segundos, e tudo voltava ao normal, sem a presença de Seu Jorge. O que incitou ainda mais o nervosismo do público. Vaias, gritos, palmas irônicas, e de repente, começaram a jogar objetos no palco. O que independente de qualquer coisa, foi uma vergonha para o público presente. Qualquer tipo de agressão não é justificável.
Quando, enfim, Seu Jorge adentrou ao palco, cantando a música Burguesinha. Naquele momento uma onda de bem estar inundou todo aquele espaço. Só havia uma coisa estranha: de início, achei que seria um show mais intimista, tipo voz e violão, como no DVD. Mas não, Seu Jorge entrou no palco correndo, de capuz e óculos escuros.
Estranhei um pouco a situação, estava eu alí, escutando a bela voz de Seu Jorge, mas a única coisa que via era um ser encapuzado. Começaram a rolar comentários de que os óculos escuros estavam sendo usados pra tampar os olhos vermelhos, causado pelo uso de algum tóxico. O que óbviamente não passou de expeculação.Veio a minha cabeça então, o quanto é difícil pra um artista daquele gabarito, fazer cara de feliz todos os dias, pra milhares de pessoas e ser feliz realmente, fazendo isso.
Seu Jorge começou a cantar uma música de Leci Brandão, chamada Zé do Caroço, e logo começou a declamar uma letra, Negro Drama, que de início nem parecia ser o rap cantado:
(video que achei na internet, de 2008. Não postaram a música cantada no show de Goiânia, mas foi exatamente assim, com a mesma intensidade).
''Negro drama,
Eu sei quem trama
E quem tá comigo
O trauma que eu carrego
Pra não ser mais um preto fudido
O drama da cadeia e favela
Tumulo, sangue,
Sirene, choros e velas,
Passageiro do Brasil,
São Paulo,
Agonia que sobrevivem,
Em meia zorra e covardias,
Periferias, vielas e cortiços,
Você deve tá pensando,
O que você tem a ver com isso?
Desde o início,
Por ouro e prata,
Olha quem morre,
Então veja você quem mata,
Recebe o mérito, a farda,
Que pratica o mal,
Me vê, pobre, preso ou morto
Já é cultural,
Histórias, registros,
Escritos,
Não é conto,
Nem fábula,
Lenda ou mito,
Não foi sempre dito,
Que preto não tem vez,
Então olha o castelo e não,
Foi você quem fez, cuzão. [...]''
Segundo previsões dos cientistas
De padres, pastores, budistas
De ciganos, pai de Santos, Hare Krishna
O tempo vai secar
O sol vai cárcume
Percebi a importância tão dita da cultura Brasileira, da música Brasileira, que por falta de informação, ou até de interesse, não chega até nós.Foi emocionante, e levou a platéia à euforia, todos alí faziam parte de um mesmo Brasil. Chamando a atenção para os problemas causados pela falta de interesse na preservação do ambiente onde vivemos, e dos problemas sociais que estão debaixo dos nossos narizes, e ainda assim, fingimos não ver.
Seu Jorge então, depois de tanta tensão, necessária, imposta pelas suas músicas profundas, tirou os óculos, o capuz, ficou com um belo cardigã vermelho, e nos brindou com uma das partes mais animadas do show, a grande presença de palco do cantor, e de sua banda, surpreendeu.
Em resumo, fui ao show com o intuito de esquecer meus problemas, imergir na nostalgia que as músicas dele me trazem, canta-las junto, e depois guardar tudo na lembrança. Mas saí de lá com grande admiração. Com outra idéia da música de Seu Jorge, e da música Brasileira. Me senti verdadeiramente orgulhoso de ser Brasileiro, e ainda mais humano.
Não acredito que perdi esse show. Um dos miores cantores da nossa música brasileira aqui pertinho e eu deixando passar batido. Pelo que você descreveu tenho certeza que foi uma performance inesquecível e emocionante.
ResponderExcluirThafnes F.